Numa reforma que muda as regras sobretudo para a aposentadoria das mulheres, as farmacêuticas, que constituem a maioria da nossa categoria, serão fortemente impactadas.
por Renata Mielli, da Redação
Segundo dados publicados no Relatório Perfil do Farmacêutico no Brasil, publicado pelo Conselho Federal de Farmácia em 2015, 67,5% da categoria é composta por mulheres e mais de 72% encontram-se na faixa etária entre 19 e 38 anos. Outro dado geral que é fundamental para emoldurar os impactos da reforma sobre a categoria é que 83,3% dela é composta de profissionais assalariados.
O presidente da Fenafar, Ronald Ferreira dos Santos, alerta: "Nossa categoria é majoritariamente jovem, feminina e assalariada. E são exatamente os jovens e as mulheres os segmentos que serão mais atingidos por esta reforma, porque são os que perderão a perspectiva de ter uma aposentadoria e algum mecanismo de proteção social na terceira idade".
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As novas regras e o trabalho das farmacêuticas
A proposta de Jair Bolsonaro tem, como base, igualar as regras para a aposentadoria de homens e mulheres.
Atualmente, na aposentadoria por idade, é possível se aposentar aos 60 anos (mulheres) ou 65 anos (homens), com 15 anos de contribuição. Para pedir a aposentadoria por tempo de contribuição, as mulheres precisam ter contribuído 30 anos e os homens 35 anos. Neste caso o valor do benefício será calculado com base no fator previdenciário, regra criada em 1999 e modificada em 2015 pela presidenta Dilma Rousseff.
Se aprovada a proposta de Bolsonaro, a idade mínima para as mulheres que trabalham no setor público e privado solicitarem a aposentadoria passará para 62 anos. Para os homens se mantém os mesmos 65 anos. No entanto, o tempo de contribuição para ambos os sexos passa a ser, no mínimo, de 20 anos para se solicitar o benefício.
Além disso, a proposta do governo acaba com a aposentadoria exclusiva por tempo de contribuição. Assim, as pessoas que começaram a trabalhar cedo (e fizeram o esforço de contribuir ao INSS ininterruptamente, mesmo quando estiveram desempregadas) não poderão solicitar a aposentadoria com menos de 62 ou 65 anos, mesmo que já tenham contribuído por mais de 20 anos.
Se olhada a realidade da profissão farmacêutica isso gera um impacto negativo no conjunto da categoria, mas principalmente sobre as mulheres.
Verificadas as diferentes áreas de atuação do profissional farmacêutico, veremos que o trabalho nas farmácias do setor público e privado responde por 81,1% da atividade da categoria. "Um trabalho que é realizado a maior parte do tempo em pé, em contato direto com o usuário do medicamento, prestando orientação sobre o uso racional e todos os serviços que envolvem a Assistência Farmacêutica", destaca o presidente da Fenafar.
Além disso, a categoria tem uma jornada de trabalho bem superior às 8 horas diárias. Isso porque, em função dos baixos salários, há um acúmulo de função e trabalhos. Segundo dados da pesquisa do CFF, 76,5% da categoria recebe até 4 mil reais. Se atualizarmos esse valor pela inflação do período, esse rendimento estaria em torno de 5 mil reais. Sobre a extensa jornada da categoria, Ronald salienta que, "infelizmente, apesar da luta desenvolvida por anos, os farmacêuticos não conquistaram a jornada diária de 6 horas, equivalente às demais profissões de saúde".
Quando segmentamos a faixa salarial por sexo, verificamos ainda que o salário das farmacêuticas é em média menor do que o dos farmacêtuicos, confirmando todas as pesquisas que demonstram que as mulheres recebem salários menores do que os homens. Veja gráfico abaixo.
O fim da possibilidade de se aposentar por idade atinge ainda mais as mulheres. Segundo levantamento do Dieese, a aposentadoria por idade é a modalidade mais comum entre as trabalhadoras, em razão da dificuldade para acumular o tempo mínimo exigido para a aposentadoria por tempo de contribuiç̧ão. Em 2017, as mulheres correspondiam a 62,8% do total de aposentadorias por idade concedidas no RGPS, contra apenas 37,2% de homens. Em contrapartida, nas aposentadorias por tempo de contribuição, os homens correspondiam a 68,1%, e as mulheres, a 31,9%.
Esse cenário se explica por vários fatores, entre eles a questão da maternidade, que faz com que as mulheres sejam mais afetadas pelo desemprego ou pelas relações de informalidade e precarização.
Como vai ficar o cálculo da sua aposentadoria
Para além do fato de que as farmacêuticas terão que trabalhar mais anos e contribuir pelo mesmo tempo que os homens, o valor da aposentadoria também vai ser menor. Vejamos como muda o cálculo e, em seguida, alguns exemplos de projeções de valores caso a PEC 06/2019 seja aprovada.
Cálculo do benefício:
HOJE
A aposentadoria por idade tem valor equivalente a 70% do salário de benefício, mais 1% a cada grupo de 12 (doze) contribuições mensais, até o limite de 30%, totalizando 100%. Ou seja, cumpridos os requisitos mínimos da aposentadoria por idade, o valor será de 70% + 15% (15 anos de contribuição) = 85% do salário de benefício. Para o cálculo, utiliza-se 80% do período contributivo com as maiores contribuições.
PEC 6/2019
A aposentadoria terá o valor de 60% do Salário Base + 2% por ano que superar os 20 anos de contribuição. Ou seja, cumpridos os requisitos mínimos da aposentadoria, o valor será de 60% do salário de benefício. Para o cálculo, utiliza-se 100% do período contributivo.
É preciso ressalta um aspecto da nova regra que tem um impacto negativo no salário das mulheres: ao alterar o salário base para o cálculo, que deixa de ser referenciado em 80% do período de maior salário para passar a ser a média do 100% do período contributivo, a base de cálculo do benefício será consideravelmente menor. Isso, porque, os salários são maiores quanto mais antiga for a época da conclusão de curso. A pesquisa do CFF comprova isso ao demonstrar que a maior parte dos farmacêuticos graduados entre os anos de 1950 e 1989 encontra-se na faixa salarial acima de R$ 5.001,00. Por outro lado, os que se formaram depois de 1990 pertencem, predominantemente, à faixa salarial de R$ 2.001,00 a R$ 3.000,00. (Gráfico abaixo) Com isso, os anos de contribuição menores jogarão para baixo o valor do benefício. No caso das mulheres, que possuem rendimento médio inferior aos dos homens, isso trará ainda mais impacto.
Vamos ver algumas projeções:
Vejamos uma simulação, usando a calculadora do Dieese para duas situações: a primeira uma comparação entre o cálculo para homens e mulheres com 62 completos em 2020 e com tempo de contribuição de 20 anos.
MULHER | HOMEM |
Para se aposentar com 100% do salário médio, a trabalhadora teria que trabalhar até os 81 anos e 11 meses. Ou seja, praticamente impossível.
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Como podemos ver, o impacto das mudanças propostas na PEC 06/2019 é bem maior para as mulheres, que terão o valor da sua aposentadoria ainda menores, porque recebem em média salários menores. Neste sentido, considerando as especificidades do trabalho farmacêutico, nossa categoria será amplamente afetada, perdendo direitos.
O discurso do governo de que essa mudança é necessária para acabar com o déficit da aposentadoria tem feito com que muitos trabalhadores e trabalhadoras relativizem as perdas, por medo. Vamos mostrar nas próximas reportagens dessa série, que esse argumento do governo não se sustenta se olhados os dados de emprego e renda. E que sim, seria possível pensar em ajustes nas regras que não prejudicassem as trabalhadores e os trabalhadores. Acompanhe aqui no site da Fenafar.
Publicado em 30/04/2019
Da Redação Fenafar