Defendemos um direito penal mínimo ou de última razão, no sentido de que as condutas humanas que causem prejuízo a terceiros, sempre devem ser resolvidas apenas no âmbito do direito civil (indenização) ou administrativo (demissão).
Acontece que determinadas condutas, mesmo que praticadas sem violência ou grave ameaça às pessoas, só podem ser tratadas com eficácia, com a intervenção do Direito Penal. É o caso do exercício ilegal das diversas profissões liberais existentes no Brasil.
É bastante desestimulante um profissional passar vários anos estudando, pagando Faculdade cara, deixando de se divertir e até de trabalhar, até colar grau e receber o seu "canudo de papel", como diz em sua música o cantor Martinho da Vila, e constatar que um leigo está exercendo a sua mesma profissão, sem nunca ter visitado uma sala de aula. E o pior: ganhando dinheiro com essa atitude e até trazendo prejuízo à saúde de pessoas.
Explico em sala de aula, aos meus alunos de Direito Penal, que o art. 282 do Código Penal só tipifica como crime o exercício ilegal de três (3) profissões: médico, dentista e farmacêutico, com pena privativa de liberdade de seis meses a dois anos de detenção, e multa, se o crime é praticado com fim de lucro, e isso se dá pelo fato de que, na década de 40, só se conheciam, basicamente, essas três (3) profissões da área da saúde.
Estamos adentrando o ano de 2014 e, de 1940, época da feitura do nosso Código Penal, até esta data, diversas profissões novas surgiram, notadamente na área da saúde, entre as quais fisioterapia, fonaudiologia, terapia ocupacional, nutricionista, entre tantas outras. Outras, em razão da modernidade, fora da área de saúde, também surgiram depois da década de 1940.
Nem mesmo o exercício ilegal da também antiga profissão de Advogado, é considerado crime e, também, os artigos 205 e 359 do Código Penal resolvem esse problema.
O art. 205 do Código Penal pune criminalmente o verdadeiro profissional (e não o falso) que descumpre uma decisão de seu Conselho Profissional que, v.g. lhe impediu de exercer a profissão. Já o art. 359, do mesmo Código, criminaliza a conduta de quem foi suspenso ou privado por decisão judicial de exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, como vg. um médico que é condenado em razão de causar dano (lesão ou homicídio doloso ou culposo) a um paciente, em razão de uma operação cirúrgica, não se tratando, ambos artigos, de punição propriamente dita a um verdadeiro exercício ilegal de profissão.
O que fazer então a Policia, Ministério Público e o Magistrado no caso de exercício ilegal de profissões liberais?
Se o exercício ilegal das diversas profissões, afora médico, dentista e farmacêutico, não é considerado crime, pelo Código Penal, devemos buscar essa tipificação nas leis especiais que criam as outras profissões e, ao que pesquisei, em nenhuma delas encontrei a tipificação criminal. É como se os Conselhos Profissionais (Autarquias Profissionais) não se preocupassem com isso.
Resta, então, atualmente, punir esses "não profissionais", apenas com base no art. 47 da Lei das Contravenções Penais, que não é medida suficiente.
Acontece que, conforme projeto de Lei de Reforma do Código Penal nº 236, de 2012, em tramitação no Senado, todas as contravenções penais serão descriminalizadas, no que esses "não profissionais" estarão muito mais livres para agirem causando transtornos à sociedade.
Em razão disso, no início de 2013, remetemos aos membros daquela Comissão, no Senado, que têm à frente um ilustre Procurador da República, entre outras, a sugestão para que, além da Lei das Contravenções Penais, também revoguem o atual art. 282 do Código Penal e, ao mesmo tempo, se crie um tipo penal novo, em capítulo específico, definindo-o como "exercício ilegal de qualquer profissão liberal existente no Brasil", com a expressa cominação de pena privativa de liberdade um pouco acima de dois(2) anos, e multa, para fugir da incidência da Lei dos Juizados.
Essa a minha contribuição. Com a palavra, as Autarquias Profissionais e demais profissionais
Fonte: Artigo publicado do juiz federal no Ceará, professor de Direito na Universidade de Fortaleza (Unifor)
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